13 de fevereiro de 2014

Contautor | Hello Atlantic fala-nos de "Rambling Coast"

Inauguramos hoje, com o projeto Hello Atlantic, um espaço em que damos voz aos autores nacionais, que nos trarão as histórias por detrás das canções. João Esteves conta-nos tudo sobre cada uma das dez faixas da sua última criação, o álbum Rambling Coast, editado no final de 2013.





MAD VERSES
A Mad Verses é a primeira música do álbum mas foi a última a ser gravada. Achei que seria uma boa introdução, como um último sonho de madrugada antes de acordar para o álbum. Foi das poucas ocasiões em que as letras estavam completas antes da guitarra. Um dia decidi tentar escrever em sincronia com a minha linha de pensamento e em alguns minutos surgiram as palavras que viriam a ser esta música. Mais tarde tentei domá-las com uma progressão na guitarra mais simples. Ainda não sei se consegui.

RAMBLING COAST
A Rambling Coast é o hino e manifesto deste álbum. É uma música sobre a nossa costa e História, sobre as glórias e ruínas dos nossos egrégios avós. É o sentimento de pertença e também o fardo que carregamos. Para mim é o som das vagas a baterem nas rochas num dia ventoso - que se ouve ao abrir a janela por esta zona - e que nos relembram que somos velhos. Tão velhos que precisamos de renascer; e não no sentido cristão.

ANIMALS OF DUSK
O anoitecer é a minha altura preferida do dia, achei que devia partilhar isso. A Animals teve várias versões até assentar nesta. Cheguei a gravar bateria mas no final fiquei-me pelas percussões mais simples. Assim como na Mad Verses e noutras músicas deste álbum caseiro, quis gravar a voz e guitarra ao mesmo tempo, o que provou ser um desafio de captação com os dois microfones de que dispunha, e pelo espaço de gravação ser longe do ideal. O aspecto positivo dessas limitações é que as músicas soam ao espaço da casa onde foram gravadas.

WINDY CITY BLUES
Os ventos de norte que se levantam a meio das tardes de verão na zona onde cresci, e que trazem melancolia consigo de vez em quando. A Windy City Blues é uma música sobre o dia-a-dia no sítio a que mais facilmente posso chamar casa. Andava há algum tempo a aprender e desenvolver estilos de fingerpicking alternativos e decidi usar um deles nesta canção.

SEASONS
Compus a Seasons numa tarde de Outubro em que senti o Inverno chegar sem aviso. Estava no local onde escrevi uma boa parte do álbum e nesse final de tarde andava às voltas com quatro acordes numa afinação nova até que senti os meus dedos enregelados. Escrevi "...freezes my bones / but my mind is ablaze" e todo o texto sangrou rapidamente daí. Voltei para casa com uma música nova.

FASTER THAN THE RAIN
Um tema no ukulele que tinha escrito há uns anos na Finlândia. Gravada com um microfone ao fundo das escadas da casa dos meus pais na tentativa de captar a reverberação natural do espaço. Foi o único take, segundos depois o telefone tocou. Era a minha avó. 

SKYLASH
A Skylash são duas músicas numa só. A segunda metade foi divertida de orquestrar. Foi talvez o único momento do álbum em que me permiti gravar qualquer instrumento que estivesse à mão. Um dos problemas que afectou as gravações deste álbum, e que me recordo particularmente no caso desta música, foi o da casa que serviu de estúdio estar situada na rota de um aeródromo e rodeada de moradias com cães desejosos de contribuir com o seu ladrar para o disco. Em poucos dias aprendi os horários e rotinas de aviadores e caninos. Gravei nos entretantos.

THE BURROW
Burrow, a Toca. Na minha cabeça estavam o conto do Kafka e o Watership Down. É um exercício filosófico em temas que quero revisitar. A indecisão entre intervir ou isolares-te perante conjunturas negativas como as que vivemos hoje na nossa sociedade, e em geral na nossa civilização. A versão original era bastante mais longa, mas acabei por encurtá-la para o disco.

TRAVEL LIGHT
Se a Rambling Coast é o hino à nossa costa, a Travel Light é uma ode às minhas primeiras viagens. São reminiscências das travessias em ferrys entre a Suécia e a Finlândia, sobre a descoberta das cidades-capitais e arredores. Acabou por ser a única música que não gravei sozinho, o meu amigo André Nóvoa tocou aquela tarola marchante.

SWEET WATCHTOWER
Andei umas semanas à procura de alguém que tivesse um piano em casa para gravar esta música ao vivo. Queria algo antigo e desafinado, dentro do razoável. Foi exactamente o que encontrei na casa da irmã do meu grande amigo Mário, o piano de parede da avó deles que viajou da Suécia para Portugal - a ironia. Fomos lá numa tarde em que a nossa costa estava em alerta vermelho devido a uma tempestade que tinha já derrubado algumas árvores e provocado inundações na região de Lisboa. Gravámos um ou dois takes na companhia do belo gato preto residente, na gravação ouve-se a chuva e o vento lá fora. A música em si fala de um período da minha vida num dos apartamentos onde mais gostei de viver.

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